Último coito

Oitenta e poucos anos. A velhinha em cima do marido se contorcia feito uma víbora. Galopava melhor que amazona experiente. Ululava feita loba no cio. Ronronava. Arranhava. Cravava as unhas na carne num instinto animal. Avassalador. Aguçado. Gritava entorpecida de desejos. Suava mais que potranca sendo penetrada. Revirava os olhos. Encenava num encanto teatral. Sórdido. Instigante. Malicioso. Tantas e poucas horas depois. Cai para o lado. Extasiada. Exaurida. Afogueada. Branca. Pálida. Sufocada pelo calor do momento condena.

- Velho desgraçado. Logo hoje que preciso tanto de tua virilidade. De teu falo ereto e rígido.

Na escuridão do quarto tateia a cômoda. Derruba o relógio. Abre a gaveta. Segura firme a cartela de ansiolíticos. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Joga os comprimidos num copo d’água e num gole só liquida toda a caixa. Amanhece. Está serena. Flácida. Gelada. Morta. Morta.

0 comentários:

Postar um comentário

O título é um tanto sugestivo e não por acaso coloca o próprio autor longe de casa, à deriva que busca um terreno seguro para ancorar. Cansado por navegar e perceber que não há mais terras seguras, um lar. O ser humano quer direitos iguais a pretexto de agredir seu próximo. Este blog está marcado e saturado por contos irreais e ao mesmo tempo povoa não só o imaginário, é o próprio real forjado nas linhas que os compõem.

Disseram-me um dia que eu deveria falar de coisas reais, de coisas normais e compor os mais belos poemas para saudar a Criação. Pobres ingênuos, ou cegos, ou mentirosos. É exatamente isso que faço, colocar nas entrelinhas o que há tempos se tornou normal e convive lado a lado com toda loucura humana. Normal é a prostituição, o esvaziamento de si mesmo para dar lugar aos instintos mais perversos. Normais são os vícios e tudo aquilo que envolve a aura libertina, desregrada e compartilhada o que leva ao fundo do poço a alma mais perturbada. O normal de hoje é a transgressão moral, queimar as tábuas e tudo que foi nos deixado através da dor e sangue. O normal de hoje são os vínculos materiais, as bolhas e tudo que pode se acumular visualmente para que possa ser mensurado, cobiçado e amado. É normal ver as posições trocadas entre homens e mulheres e não poder dizer que não é natural sem ser censurado e taxado como um canalha preconceituoso. Tudo bem, direi que é normal, mas meu pensamento continuará na canalhice pois não posso abortar preceitos que aprendi com tantas gerações. Normal é ser normal, descarado, doutrinado e condutor de uma ordem que tão pouco desconhecem.

Enquanto isto, coisas anormais se tornam ainda mais escassas. O verdadeiro amor sem interesses, sem vilipêndios semânticos, o puro e simples de estar por estar. Longe se esvai o respeito ao próximo, os contratos voluntários o caminhar sem medo. E tudo fica distante e complicado demais para entendermos, pois o que era normal está morrendo e voltando para algum lugar para quem sabe, um dia voltar com mais força.