Ritinha

Arantes consulta o relógio. Está ansioso. Fica neste estado quando precisa contar algo para o amigo Moacir. Anda de um lado a outro e vai até a porta. Olha para a rua com impaciência. Tomou uns dez cafezinhos nesta manhã. De repente o alívio.

- Moacir meu amigo! Enfim você chegou!

- O que há de tão importante assim. Indagou o amigo.

- Importante? Nem sabe da maior, é importantíssimo. Fiquei sabendo que é paulada!

- Paulada mesmo?

- Pauladíssima!

- O que está esperando. Conta logo Arantes.

- Espera. Deixa eu tomar mais um cafezinho. Esta eu vou apostar alto!

Arantes faz suspense. Não quer largar a notícia de primeira. Prepara o lead e busca a melhor maneira para contá-la. Engole a última gota de café e dispara.

- Sabe o que eu descobri da Ritinha, a secretária recatada da outra repartição?

- Aquela moça desajeitada que usa óculos de fundo de garrafa?

- Ela mesma.

- Estou curioso. Conta logo.

- Mas antes tens que topar a aposta.

- Sim, eu topo. Dependendo do que for, caso duzentas pratas.

- É de primeiríssima mão. Do próprio primo que presenciou o fato.

- Não enrola, conta logo!

- Perdeu a virgindade com uma long neck!

- Com uma long neck?

- Sim. Com uma long neck!

- Já sei, encheu a cara e adormeceu e um espertinho foi lá e enfiou a garrafinha.

- Nada disso meu amigo Moacir. Foi consciente mesmo. Disse o primo que num estado de excitação ardente ela vai até a geladeira se refrescar e ao ver a garrafinha com o gargalo geladinho piscando e a seduzindo, não deu outra. Foi paulada. Garrafa para um lado e cabaço para o outro.

- Conta outra. Isto é pura mentira, Arantes. Ela jamais teria coragem de fazer isto.

- É a pura verdade. Eu te falei que era paulada. É pauladíssima, Moacir.

- Duvido muito. Tenho certeza que o tal primo queria pegar a moça e não conseguiu, depois inventou esta para enxovalhar a reputação da pobrezinha.

- Quer apostar quantos desta vez?

- Trezentas pratas! Menos que isto nem entro na aposta.

- Feito. Trezentas pratas. Vou te provar que é tudo verdade. Mal posso ver esta grana toda em meu bolso. Só tem um entrave, Moacir, eu sou casado e muito bem casado e por este detalhe não poderei tirar a prova.

- E daí? Onde quer chegar com isso?

- E daí que não posso seduzir a coitada. É verdade que seria muito fácil, mas se minha mulher descobre estou ferrado.

- Ainda não entendi muito bem, você quer que eu tire a prova seduzindo a moça e a levando pra cama?

- Pense Moacir. Pense! Se não for assim como saberemos a verdade?

- Isso é canalhice.

- Canalhice é ficar espalhando mentira por aí. Além do mais, tem muita grana em jogo.

- Bom, se for mentira eu embolso trezentas pratas além de ter uma noite de amor com a moça sem pagar um tostão. Espero que nosso plano dê certo.

- Vai dar certo. Quem perde a virgindade com uma garrafa, transa com qualquer coisa.

- Obrigado pela gentileza, Arantes. Você sabe que eu tenho charme e não vai demorar muito para ter a prova que precisamos.

Depois do expediente Moacir muda o seu trajeto para passar por Ritinha. A viu de longe e diminuiu os passos para inventar uma conversa qualquer e assim iniciar uma aproximação. Considerou-se o pior dos canalhas devido a aposta e passou direto sem olhar para a moça. Parou num bebedouro, tomou uns dois copos de água e foi até ela. Sem titubear a convida para beber algo numa lanchonete da esquina. Ela sorri educadamente e aceita o convite.

De perto Ritinha era bem mais atraente. Tinha os seios fartos e um sorriso encantador. Apesar daqueles óculos e uma tiara de pano na cabeça, não tiravam o brilho que havia nos olhos dela.

Os encontros na lanchonete da esquina se arrastaram por cinco dias seguidos. Já havia total complacência ao ponto de Moacir a convidar para ir à casa dele num fim de semana qualquer. Ela aceitou com toda naturalidade e demonstrava nos gestos toda a sua delicadeza. Sou um canalha inescrupuloso. Pensava Moacir ao contemplar o doce sorriso de Ritinha.

No dia seguinte Moacir encontra Arantes e sentencia.

- Amanhã é paulada! Ela já está caidinha por mim e vamos ter um encontro mais íntimo.

- Sério? Paulada mesmo? Indagou Arantes.

- Pauladíssima meu amigo!

- E o que você vai fazer?

- Como assim o que eu vou fazer? Por acaso esqueceu como se faz? Simples, não posso perguntar aquilo senão pôr aquilo na mão. Entendeu agora?

- Entendi sim. E vai ser onde?

- Lá em casa. Ela aceitou meu convite sem titubear. Eu disse que tinha charme. É paulada!

- Não esquece que pra valer a aposta tem que arrancar a confissão e tudo deve ser devidamente gravado.

- Deixa comigo. Trouxe o gravador? Já separa também a grana que vou levar pra casa também.

- Não conte com vitória antes do tempo. Eu que vou embolsar trezentas pratas. O gravador está aqui.

No dia seguinte e na hora combinada Ritinha vai até o apartamento de Moacir. Estava com uma roupa mais adequada para a ocasião que a deixava até mais atraente, contrastando com uma bolsa de peles, mas muito simples. Desconfiada ele olha para os lados como se estivesse fazendo algo de errado por estar em frente à porta de um homem solteiro. Toca a campainha e Moacir abre a porta logo em seguida. Trocam cumprimentos com um beijo no rosto.

- Pensei que não viria mais. Disse Moacir demonstrando preocupação.

- Tenho palavra e cumpro com meus compromissos. Completou Ritinha afastando qualquer embaraço inicial.

- Desculpe, foi apenas um pensamento alto. Estou feliz de vê-la aqui. Quer beber algo?

- Sim. O que tens?

- Cerveja. Pode ser?

- Sim, pode ser.

- Sente e fique a vontade. Já volto.

Moacir vai até a cozinha e traz duas garrafinhas long necks, põe numa mesinha de vidro entre o sofá e a TV e segue com os olhos cada reação de Ritinha para ver se ela deixa no ar alguma pista. Ela não demonstra nenhuma reação e para surpresa também não demonstra nenhuma parcimônia ao segurar a garrafa, e fazia com total discrição que descartou qualquer possibilidade de o fato sentenciado por Arantes viesse a ser verdade.

Depois de algum tempo jogando conversa fora Ritinha interrompe o assunto e pergunta:

- Você é sempre assim?

- Assim como? Respondeu Moacir sem perceber o teor da pergunta.

- Sem atitude.

- Ainda não estou entendendo.

- Então vou ser breve. Vamos para a cama ou me convidou para vir aqui e perder tempo com conversas tolas?

Moacir ficou boquiaberto e por alguns segundos ficou estático sem saber o que dizer. Não esperava de uma mulher que demonstrasse um pudor quase que exagerado pudesse falar desta maneira. Os olhares se cruzam e ele balança a cabeça fazendo um sinal positivo.

Ritinha o agarra ali mesmo e dá um beijo úmido e quente. Estava no cio e crava as unhas nas costas de Moacir não o deixando se desvencilhar. Num instante ele tira a camisa e também a deixa com a parte de cima toda descoberta, apertando com lascívia os peitos fartos e macios de Ritinha. Os dois saem para o quarto e antes de consumar qualquer coisa, Moacir liga o pequeno gravador que já estava preparado embaixo da cama. Entre beijos, carícias e muito jogo de cintura, antes de ser penetrada Ritinha faz um pedido.

- Pegue a minha bolsa, por favor. A bolsa.

Muito excitado, Moacir se levanta e vai até a sala para atender ao pedido de Ritinha. Volta com a bolsa e entrega nas mãos dela. Talvez ela quisesse pegar camisinhas, afinal, sexo seguro é bem mais gostoso. Pensou ele. Ritinha pediu que abrisse e pegasse algo que estava ali dentro. Moacir põe a mão dentro da bolsa e para sua surpresa puxa uma garrafinha long neck. Ficou estupefato. Não sabia o que dizer e o que fazer. Enquanto isto Ritinha balbuciava num delírio.

- Vai, enfia esta garrafa todinha. Por favor, enfia. Dizia ela alucinada.

- A garrafa...? Perguntou Moacir desconcertado.

- Sim. Esta garrafa. Enfia logo esta maldita garrafa! Foi ela que tirou a minha virgindade e será ela que vai copular comigo para o resto de minha vida...

Depois deste dia Moacir nunca mais apostou trezentas pratas.

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O título é um tanto sugestivo e não por acaso coloca o próprio autor longe de casa, à deriva que busca um terreno seguro para ancorar. Cansado por navegar e perceber que não há mais terras seguras, um lar. O ser humano quer direitos iguais a pretexto de agredir seu próximo. Este blog está marcado e saturado por contos irreais e ao mesmo tempo povoa não só o imaginário, é o próprio real forjado nas linhas que os compõem.

Disseram-me um dia que eu deveria falar de coisas reais, de coisas normais e compor os mais belos poemas para saudar a Criação. Pobres ingênuos, ou cegos, ou mentirosos. É exatamente isso que faço, colocar nas entrelinhas o que há tempos se tornou normal e convive lado a lado com toda loucura humana. Normal é a prostituição, o esvaziamento de si mesmo para dar lugar aos instintos mais perversos. Normais são os vícios e tudo aquilo que envolve a aura libertina, desregrada e compartilhada o que leva ao fundo do poço a alma mais perturbada. O normal de hoje é a transgressão moral, queimar as tábuas e tudo que foi nos deixado através da dor e sangue. O normal de hoje são os vínculos materiais, as bolhas e tudo que pode se acumular visualmente para que possa ser mensurado, cobiçado e amado. É normal ver as posições trocadas entre homens e mulheres e não poder dizer que não é natural sem ser censurado e taxado como um canalha preconceituoso. Tudo bem, direi que é normal, mas meu pensamento continuará na canalhice pois não posso abortar preceitos que aprendi com tantas gerações. Normal é ser normal, descarado, doutrinado e condutor de uma ordem que tão pouco desconhecem.

Enquanto isto, coisas anormais se tornam ainda mais escassas. O verdadeiro amor sem interesses, sem vilipêndios semânticos, o puro e simples de estar por estar. Longe se esvai o respeito ao próximo, os contratos voluntários o caminhar sem medo. E tudo fica distante e complicado demais para entendermos, pois o que era normal está morrendo e voltando para algum lugar para quem sabe, um dia voltar com mais força.